Investimentos Decisivos
Murilo Menezes
Em meados do século passado, o fotógrafo francês Cartier-Bresson publicava seu livro Images à la sauvette, traduzido para o inglês como The decisive moment. Ainda que a tradução não seja perfeita, ela capturou a inspiração por trás da publicação, revelada pelo próprio autor quando observava que “não há nada no mundo que não tenha seu momento decisivo”. Pode-se dizer, com bastante nitidez, que vivemos em uma década decisiva que, por sua vez, requer o resgate da Ética na Economia e, consequentemente, demanda Investimentos Decisivos.
A fotografia de nosso tempo não é, infelizmente, das mais belas. Tendências positivas registradas ao longo do século XX, como a diminuição global da desigualdade, ou a derrocada de governos autocráticos, reverteram-se acentuadamente, apontando para um mundo caracterizado por crescentes inequidades e por uma polarização política extrema. Em relação aos problemas que já apresentavam uma trajetória preocupante, não se observaram avanços significativos, como é o caso, por exemplo, das mudanças climáticas. Estamos, portanto, no início de uma década decisiva. Decisiva não apenas porque hoje somos capazes de lidar com esse cenário — tendo em vista as tecnologias de que dispomos e o acesso à informação –, mas também pela necessidade premente de enfrentarmos os contrastes nocivos de nosso tempo, enquanto ainda estamos em tempo.
Poderíamos usar distintas lentes para entender os desafios correntes, mas nos centraremos na lente econômica e, em particular, na atividade de um de seus agentes, o Investidor.
O prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, defende em seu ensaio On Ethics and Economics que a Economia teria duas origens distintas: a primeira, pautada na discussão sobre a Ética e a sua relação com a política; e a segunda, de cunho mais técnico (“engineering”), que estaria relacionada ao entendimento das relações econômicas, focando, em particular, no funcionamento dos mercados. Sen critica o fato de que nas últimas décadas a discussão econômica ficou limitada à segunda origem — de natureza mais prática –, por vezes se utilizando de modelos limitantes que não incorporam, por exemplo, elementos trazidos pelos estudos da economia comportamental. As premissas do comportamento racional e da maximização da “utilidade individual” são colocadas em xeque. O detentor do prêmio Nobel defende como enriqueceríamos não apenas as discussões econômicas, mas também os próprios modelos mentais que influenciam na prática as ações dos agentes econômicos, se resgatássemos em um amplo debate as considerações éticas que influenciam o comportamento humano.
Usando uma lente objetiva, reduzimos essa análise para o campo dos investimentos. O paralelo que deve ser feito em relação à visão limitante da origem da Economia, agora no que tange ao agente econômico “Investidor”, é o foco no lucro a qualquer custo e no curto prazo. Olhando em retrospectiva para os registros recentes, provavelmente o maior erro dos modelos financeiros vigentes que pautam a tomada de decisão de investimento resuma-se nas externalidades negativas não precificadas. O clássico exemplo é o do aquecimento global, considerado a maior falha de mercado da história. Temos, no entanto, que comemorar a recente ênfase com que foram reforçadas as discussões em torno de investimentos responsáveis, ou ainda em torno do papel da responsabilidade social corporativa. De certa forma, pode-se dizer que esse movimento é justamente o que Sen defende em relação ao resgate da Ética nas discussões que pautam nossos modelos econômicos e nossos processos de tomada de decisão.
Ao projetar uma imagem sobre o futuro dos investimentos, deveríamos sair da ótica do filtro negativo, e trazer mais cor para a prática do Investidor. A sua atividade será tão mais respeitada quanto maior for sua inclinação para fazer Investimentos Decisivos, que consideram as morais de nosso tempo, antevendo as necessidades e as demandas de gerações futuras. De forma prática, o que os caracterizam é muito mais do que mitigar as externalidades negativas. Trata-se antes de ter clareza sobre o Valor Social que geram para a sociedade. Investimentos Decisivos invertem a lógica da inovação em prol da conveniência, e buscam tornar conveniente resolver os maiores desafios sociais e ambientais da atualidade, na direção da igualdade social e do respeito ao meio-ambiente.
Certamente os Investimentos Decisivos se amparam em teses que utilizam tecnologias inovadoras para escalar soluções, mas tem como fundamento primordial o humano: por um lado, buscando a humanidade da equipe empreendedora como pré-requisito; por outro, estabelecendo como premissa básica os humanos e seu habitat natural como os beneficiários diretos do serviço ou produto ofertado. A imagem resultante? Projetos sustentáveis no tempo, que apresentam menor risco, geram Valor Social, retornos para seus investidores, e a satisfação para todos que fizeram parte dessa história. Na prática, pode ser difícil imaginar que tudo cabe nessa fotografia. Mas é possível, e é dessa forma que procuramos definir os Investimentos Decisivos.
Murilo Johas Menezes é sócio-gestor responsável pelo time de investimentos da Positive Ventures, e especialista do Fórum Econômico Mundial para a temática o Futuro dos Investimentos.