“May you live in interesting times.”
— 58th International Art Exhibition, Venice
“Que você viva em tempos interessantes” foi o nome de um dos eventos culturais e artísticos mais relevantes no mundo ocidental no ano passado, a Bienal de arte de Veneza de 2019. Certamente, seu curador não teria como prever o ano que sucederia aquele que fechava a segunda década do século XXI. 2020 foi, para dizer o mínimo, um ano muito desafiador. Um ano que nos apresentou uma oportunidade única: a de reflexão coletiva.
No começo do ano, um artigo publicado por Arundhati Roy — escritora indiana e ativista política por causas como direitos humanos e temas ambientais — trazia o conceito de “portal”, uma passagem entre “este mundo e o próximo”. Com a crise que se evidenciava de magnitude sem precedentes, Roy destacou que estávamos diante de uma escolha. Seguir pela trajetória atual, com as cargas de um passado limitante e, portanto, apontando para um futuro não tão promissor. Ou, alternativamente, “pegar” esse portal do tempo, este atalho que nos foi apresentado, para “caminhar com leveza, com pouca bagagem, prontos para imaginar outro mundo. E prontos para lutar por isso”. Todos nós estamos em uma jornada. Uma jornada de aprendizagem. Na Positive Ventures tivemos a sorte de sermos atraídos para um portal anterior ao que se abriu no ano de 2020. Movidos pela força gravitacional de nosso time, nossos investidores, mentores, empreendedores e suas causas compartilhadas por nós, já vínhamos praticando e imaginando um outro mundo.
“When COVID19 was revealed as one of the major crisis we were facing, Arundhati Roy called this a ‘portal moment’ — “a gateway between one world and the next”, at the Financial Times
Há pouco mais de uma década surgia o termo Impact Investing, ou Investimentos de Impacto, como uma nova tipologia para uma classe de ativos. Mesmo após mais de 10 anos de discussão, podemos dizer, com alguma propriedade, que ainda há muito o que ser entendido. As dificuldades de compreender o impacto de nossas ações no mundo e na sociedade são inúmeras. Avaliar, monitorar e mensurar impacto são os maiores desafios não apenas para o “setor de Investimentos de Impacto”, mas para qualquer “âmbito de atuação”, seja ele na esfera privada (empresas) ou governamental (políticas públicas). Para completar, no contexto da esfera privada, em que há muito se definiram conceitos financeiros, relativamente fáceis de serem comparados entre diferentes empreendimentos (afinal receita, lucro e dívida são métricas claras e de fácil comparação), criou-se a expectativa de que o Impacto também deveria ser, em última instância, comparável. Independentemente de entrar no mérito da questão, apenas para evidenciar o desafio imposto, imaginem a complexidade em definir de maneira quantificável e comparável impactos sociais e ambientais de longo prazo para empresas que atuam nos mais diversos setores, em contextos regionais distintos e que são dos mais diversos estágios de desenvolvimento. Para fazer o ponto, o que tem mais impacto: ensinar uma criança a ler, ou ministrar exames de sangue preventivos ao longo de sua vida? Quais as implicações disso para a sociedade? Para os gastos do Governo? Para o próprio indivíduo impactado pela intervenção (produto ou serviço) provido pela empresa?
“Seek first to understand, then to be understood.” — Stephen Covey
Certamente ainda estamos nos primeiros estágios da jornada de aprendizagem coletiva acerca dos conceitos de impacto. Stepehn Covey, empresário e educador americano, destacava a necessidade de buscarmos, primeiro, o entendimento de nosso campo de atuação, para então sermos entendidos. Mesmo com os desafios apresentados relacionados à conceituação e aos tópicos relacionados à mensuração de impacto, observa-se, feliz e finalmente, a compreensão da urgência, bem como a valorização do trabalhado que vem sendo protagonizado pelos agentes do Impact Investing, grupo no qual a Positive Ventures se insere. Em nosso caso, como um dos primeiros passos de uma longa caminhada, produzimos o nosso primeiro relatório de impacto em 2020, cobrindo as empresas investidas por nosso primeiro fundo de investimentos.
Para nós, o ciclo virtuoso do aprendizado nunca se encerrará. Permaneceremos curiosos, estudiosos e ávidos por estar na vanguarda, para, então, sermos entendidos. Mas chegamos ao fim deste ano otimistas pela compreensão coletiva de que precisamos reimaginar o mundo em que vivemos. Parte desse sonho, de um futuro compartilhável e reimaginado, pode ser materializado no portfólio de investimentos que estamos construíndo.
Nosso processo de tomada de decisão é pautado em evidências e amparado por pesquisas, estudos e ciência. Contudo, é importante ressaltar: investimos em seres humanos que, assim como nós, são inconformados com as injustiças sociais e ambientais que nos circundam, e que buscam, a partir de soluções escaláveis, de mercado, sustentáveis financeiramente e com retorno para seus investidores, atacar de maneira resolutiva os maiores problemas socioambientais da atualidade.
É verdade que evolução nunca acontece em linha reta e que ao longo de nossas vidas veremos retrocessos de diversas naturezas. O historiador e diplomata inglês E.H.Carr bem diria: “Mudança é certa, progresso não”. Por isso, na Positive Ventures, dedicamos nossa energia e nos comprometemos com um trabalho que nos permite olhar para um futuro em que os desafios da atualidade serão endereçados e viveremos em harmonia, social e ambiental. E nos lembraremos de 2020 como um portal do tempo, um ponto de inflexão, em que muitos pararam para refletir e entenderam, assim como John Cage — um grande compositor — que não são as ideias novas que deveriam assustá-los, mas as antigas. Esperamos poder sempre buscar ideias novas e fazer um trabalho que perpasse nossas individualidades, e esteja a favor do bem estar coletivo. Estamos convictos de que estamos na trajetória certa. Bem como permanecemos positivos, independentemente de qualquer interpérie.
Murilo Menezes, CIO da Positive Ventures